O mundo depende da oferta e da aceitação de atos de bondade. A nossa vida depende disso. Foi desta forma que teve início a conferência “Professor, atitude amorosa na aprendizagem”, da médica geriatra (USP) e especialista em Cuidados Paliativos (Instituto Pallium e Universidade de Oxford) Ana Claudia Arantes, no último dia do XV Congresso do Ensino Privado Gaúcho. “Vejo que hoje o mundo que se apresenta para nós tem três grupos de pessoas: aqueles que ajudam, aqueles que precisam de ajuda e aqueles que fornecem o espaço para que a ajuda aconteça (normalmente aquele que destrói). O que você tem dentro de você para oferecer? Hoje há incontáveis oportunidades de fazer a diferença para melhor”, desafia a conferencista.
Para Ana Claudia, o lugar “mais rico do mundo”, é o cemitério – para onde são levadas as riquezas, as alegrias, as viagens, obras de arte, grandes histórias de amor, lembranças. “Todas as coisas estão nesse lugar. As pessoas caminham para a morte sem ter consciência que o mundo acaba. Se você tem medo da morte, não fale sobre a morte, fale sobre seu medo. A gente tem que se educar para esse tempo até que a morte chegue.”
Ela contou uma história que passou um ano atrás, quando quebrou o pé na escadaria do metrô, em São Paulo, a caminho de uma visita domiciliar. “No momento que eu estava no chão, com o pé pendurado, eu escolhi um caminho. Resolvi ligar para uma amiga, perguntar se ela tinha tempo para me ajudar e contar que estava a caminho do hospital. Ela disse: Claro, te encontro no PS. Não há poder no mundo que compre essa resposta.”
Ana Claudia explicou que são essas conexões que permitem ter um amigo que o acompanhe no Pronto Socorro, e que é preciso se empenhar para entender que isso não pode ser rejeitado. “Quando você quer receber [essa ajuda], porque dá trabalho, desvaloriza a importância que você tem para o outro, desmerece o quanto a pessoa te ama e tem o propósito de estar com você num momento difícil. A gente não finge conexões. A importância do outro é expressa no olhar, na voz, no sentimento. Você tem que saber o seu valor, o seu significado, isso se chama de dignidade.”
Ela relatou ainda que, no hospital, de todas as pessoas que tinham recursos para aliviar seu sofrimento e não o fizeram(para aliviar o sofrimento delas, de preencher papeis), quem a ajudou foi o técnico de RX e a técnica de enfermagem que a banhou antes da cirurgia. “Ela falou: eu vou lavar seu pé com muito amor. Não me disse que era experiente, que lavaria rapidinho, que era necessário lavar para minimizar o risco de infecção na cirurgia. Ela aliviou meu sofrimento. Não senti dor.”
Fazendo um paralelo com o mundo do ensino, Ana Claudia falou da dificuldade que tinha em desenhar os números quando foi alfabetizada. “A forma com que fui ensinada foi muito cruel. Mas vi outras formas, pessoas que me disseram: essa matéria é muito difícil, mas você está se dedicando para aprender”.
Ela mostrou que a condução da questão faz toda a diferença. Que o efeito de falar a um aluno “para você sem um médico de sucesso, ou um jurista, tem que tirar 10”, é muito diverso de ensinar: é difícil, estou vendo que você está se dedicando, vou ajudar você com amor, e o que você vai fazer com isso é escolha suaÂÂÂ’. “Você vai fazer o bem, porque precisa ser feito. O que existe, na maestria, é um grande espaço de aprendizado com seu discípulo. O espaço de aprendizado comunga de um espaço com o outro. O mestre de verdade tem sentimentos que conectam. Olhos de mestres são os que enxergam, não os que julgam; o pensamento é o que alimenta, não o que corre; e seus atos protegem e acolhem, não machucam ou sufocam.”
Ensinar as pessoas a viverem e terem sucesso muitas vezes é o caminho que muitos acreditam que devem seguir para ter suas habilidades reconhecidas. No entanto, o desafio do professor é ensinar ao aluno que tem uma habilidade pouco reconhecida entre seus pares que ele tem valor. “Quem é você? Que tipo de ensino que você tem a oferecer? Ensinar a cuidar e ajudar as pessoas é ensinar no mundo que estamos vivendo. Não há certo ou errado. Há pessoas que sofrem e as que podem ajudar. A gente não pode se transformar em algo muito pior do que o outro é.”
Para e médica, é inevitável ensinar a compaixão. “Sua meta de vida precisa ser essa, para o nosso mundo ser habitável. Temos que ser capazes de ensinar compaixão.” E ela dá cinco passos para isso:
1. Tenha consciência do sofrimento.
2. Repouse seu coração sobre o sofrimento (é o espaço da empatia, o segundo passo da atitude compassiva).
3. Tenha a verdadeira intenção de que o sofrimento seja aliviado (se conecta com esse desejo).
4. Busque as suas ferramentas, habilidade conhecimento, coragem para ajudar a aliviar o sofrimento. Esse passo te dá força de ser capaz de ajudar.
5. Comece a agir sobre o alívio.
“Nunca é tarde para se envolver e aprender o que precisa ser feito – e não o que você sabe fazer. O que te faz bem, te faz bom, te faz bonito, é ser de verdade. Se você tivesse um dia de vida, o que faria hoje? Viva a sua vida como quem faz alguma coisa. Porque a vida que vai valer a pena é aquela que você deu amor, agradeceu, perdoou e pediu perdão.”
Fonte: Portal do SINEPE/RS