As janelas com vista para a fragilidade da vida sempre estiveram abertas, mas estão agora escancaradas no mundo inteiro.
É uma paisagem que a maior parte de nós evita encarar, mas que recebe o inevitável olhar de quem foi chacoalhado mais cedo do que esperava pelas urgências de um tempo que faz questão de se anunciar finito.
“A consciência do fim da vida muda tudo”, escreveu a jornalista Ana Michelle Soares em seu livro Enquanto eu respirar, lançado no ano passado pela editora Sextante. AnaMi, como é chamada, recebeu aos 28 anos de idade um diagnóstico de câncer de mama. Aos 32, a doença voltou com metástases, o que a transformou desde então numa paciente sem possibilidade de cura em cuidados paliativos.
O relato que AnaMi faz do que descobriu ao vislumbrar o horizonte da terminalidade não é um rol de lamentações. Há sim reflexões sobre dor, medo e sofrimento, mas seu livro fala de saltos em cachoeira, de perrengues de viagem, de um novo sentido para “Faroeste caboclo”, do inconformismo com as relações vazias, da riqueza da troca com quem de fato se importa – de tantas outras coisas e, jamais por último, da arrebatadora história da amiga Renata, que só não faz chorar quem perdeu o trem para a Estação Humanidade.
É, em resumo, uma sucessão de chacoalhadas em quem ainda não prestou atenção suficiente na paisagem para perceber que o ponto final de todos é o mesmo.
“Essa, sim, foi a dor que mais me arrebentou quando descobri a metástase: o que fiz com meu tempo???!!!”, escreve AnaMi no livro. “Com câncer ou não, a vida é para ser legal. Se não está, é preciso entender o que está errado e resolver. Tanta gente saudável que morreu sem ter vivido, sem ter se amado, sem ter se permitido ser feliz. Tanta gente doente que, na dor de se descobrir mortal, decidiu buscar a cura que importa e tem vivido os melhores dias de sua vida. Tem gente que goza de saúde e precisa de mais cuidados paliativos do que eu. (…) Ser saudável nem sempre é ser curado.”
No final do ano passado, AnaMi participou de um bate-papo da série Diálogos Folha com a médica Ana Claudia Quintana Arantes, referência em cuidados paliativos no Brasil e autora de A morte é um dia que vale a pena viver e do recém-lançado Histórias lindas de morrer (ambos também publicados pela Sextante). A conversa, com mediação da jornalista Cláudia Collucci, da Folha de S. Paulo, foi realizada no dia 12 de dezembro de 2019 no Teatro Folha, em São Paulo, à frente de uma plateia lotada na qual havia muitos (e principalmente muitas) profissionais da área da saúde.
Clique aqui para ler na íntegra a incrível conversa das duas Anas no blog Viajante do inverso, de Paulo Hebmüller.
Fonte: Blog Viajante do inverso, de Paulo Hebmüller http://viajantedoinverso.blogspot.com