Jornais e revistas ao redor do mundo noticiaram que o ator francês Alain Delon tomou a decisão de escolher o momento e a forma como vai morrer. Ele teria decidido fazer um suicídio assistido ou eutanásia.
O ator publicou no seu Instagram em 26 de março: “Gostaria de agradecer a todos que me acompanharam ao longo dos anos e me deram grande apoio, espero que futuros atores possam encontrar em mim um exemplo não só no local de trabalho, mas na vida de todos os dias, entre vitórias e derrotas”. A mensagem foi sentida como uma despedida, sua conta foi apagada logo depois.
Um de seus filhos, Anthony Delon, teria dito durante o lançamento de seu livro, que convenceria seu pai a aceitar a eutanásia. E o próprio ator já se pronunciou a favor da eutanásia em entrevista para a TV Monde 5.
Há quem discorde. Seu outro filho, Alain Fabien Delon, esbravou em seu instagram que a notícia é uma fake news espalhada por jornalistas incompetentes e ameaça levar adiante processos judiciais. Ele parece inconformado com a forma como noticiaram o fato. Alain teria falado para Alain Fabien, eventualmente, desligar as máquinas caso estivesse em coma, processo diferente de um suicídio assistido ou da eutanásia. Para começar, desligar máquinas não é um crime no Brasil.
O suicídio assistido e a eutanásia são um crime no Brasil, mas são uma opção regulamentada em diversos países, para aqueles que não querem esperar o caminho natural da morte acontecer, processo conhecido como ortotanásia. Tanasia vem de thânatos (morte), orto é correto, certo, em latim. Eutanásia é o abreviamento da morte e distanasia é seu prolongamento – processo que vemos nas Unidades de Terapias Intensivas (UTI), ao redor do mundo, com pessoas em processo de morte ativa e sem perspectiva de cura, mantidas por aparelhos, entubação, e sedação profunda.
No processo ativo de morte, os órgãos vão parando de funcionar. A tecnologia permite que a gente mantenha seu funcionamento, distendendo esse processo. Um movimento que ficou muito claro para mim quando acompanhei a morte do meu sogro, preso em uma cama de hospital, com máscara na cara, alimentação artificial, sonda e pulsos amarrados, expressão de terror no olhar. Leia aqui “Do tormento à paz, a morte do meu sogro”.
O processo de morte descrito pela médica paliativista Ana Claudia Arantes é muito bonito e fez muito sentido nos processos naturais que eu acompanhei. (conheça os cuidados paliativos aqui)
“Em primeiro lugar, temos a dissolução da terra, que é o adoecimento do corpo em si. Aí, quando você se percebe muito doente, você passa para uma introspecção, para a busca da sua essência. Essa introspecção caracteriza a dissolução da água. Fisicamente, se traduz numa redução de líquidos corporais ao pé da letra (você faz menos xixi, toma menos água, tem menos produções de líquidos gástricos, a pele fica mais seca e o corpo emagrece). Do ponto de vista de comportamento, a pessoa torna-se mais quieta. O acesso a essa pessoa vira um privilégio da família ou da família escolhida, porque há a vontade de ter apenas os mais íntimos por perto. Nessa busca da essência, você vai ter a dissolução do fogo. Cada uma das células do corpo busca fazer o melhor que pode, desempenhar sua função ao máximo. Aí há uma repentina melhora do quadro clínico do paciente. É a famosa visita da saúde – a melhora antes da morte. Em algumas situações vai dar febre, principalmente se a pessoa tiver inconsciente. O paciente consciente vai expressar sua essência, que eu acredito ser a amorosidade. A gente passa a vida tentando esconder isso. Quando ele encontra essa essência, eu digo que ele encontra o que tem de sagrado nele e aí começa a dissolução do ar, que é a devolução do sopro vital. A gente devolve para o universo o sopro que foi emprestado quando nascemos. Pode demorar horas ou dias”.
Tanto a distanasia quanto a eutanásia (e o suicídio assistido) vão na contramão da morte natural. Essa morte natural pode ser um tanto romântica e não possível para todos, principalmente na realidade brasileira. Lembro de uma pesquisa divulgada pelo BioMed Central que divulguei em 2015, que indicava que morrer em casa é mais pacífico e gera menos sofrimento tanto para o paciente quanto para as pessoas que o amam. Mas a verdade é que morrer em casa tem lá seus diversos desafios. Exige uma vontade muito grande do acompanhante dessa pessoa em lidar com cada passo de um processo terminal. Não é fácil. Em termos de infraestrutura, também pode ter obstáculos. Afinal, uma cama hospitalar não passa pela porta da maioria dos apartamentos que conheço.
Muitos paliativistas se colocam contra abreviar a vida porque consideram que só deseja morrer quem está mal assistido. Os paliativistas são conhecidos por manejar muito bem a dor. Não é de surpreender que esse seja um motivo muito forte para querer morrer. A dor. Me parece ser um direito de quem tem uma doença sem perspectiva de cura.
Leia o texto completo acessando o blog Morte sem Tabu na Folha de S. Paulo (clique aqui).