Pode parecer mórbido, um Cineclube da Morte. E não tem nada a ver com exibir filmes de terror, de freiras e todas as maldições que as (nos) afligem. O Cineclube da Morte virou o maior sucesso no Belas Artes. Idealizado pela dra. Ana Cláudia e o ativista da boa morte, Tom Almeida, o programa mensal reúne especialistas e o público interessados em debater vida, morte e cinema. Nesta terça, 12, às 19h30, ocorre a primeira sessãso deste ano, após as férias. E o filme é especial – Ensina-me a Viver, o cultuado Harold e Maude, de Hal Ashby.
Ana Cláudia Quintanas Arantes é médica e começou a trabalhar com pacientes terminais. Escreveu um livro – A Morte É Um Dia Que Vale Viver. Posto que a morte é a única certeza da vida, não faz sentido tentar ignorá-la, ou fingir que não vai ocorrer. Não se trata de transformar a própria vida num preparativo, um ensaio para a morte. A questão é viver melhor consigo mesmo e com os outros.
Como diz a dra. Ana Cláudia, “a morte é um ótimo pretexto pasra se falar sobre a vida. Responder a perguntas sobre como queremos morrer nos leva a pensar e agir sobre como estamos vivendo.” Grandes diretores, e Ingmar Bergman é um bom exemplo, fizeram da inevitabilidade da morte – e do silêncio de Deus, no caso dele – material para filmes inesquecíveis. Basta lembrar o cavaleiro no jogo de xadrez com a morte, salvando a vida daquela família de saltimbancos em O Sétimo Selo. Ou, então, Agnès, devorada pela dor, encontrando a paz nos braços da aia – a Pietà, segundo Bergman -, em Gritos e Sussurros.
O espectador que vir hoje Ensina-me a Viver assistirá a um filme com fama de cult, de clássico. Talvez valha fazer um exerciciozinho de imaginação. O filme é de 1971, o segundo dirigido por Ashby, que havia sido montador de Norman Jewison. Ele faria depois A Última Missão, Shampoo, Esta Terra É Minha Terra, Amargo Regresso, Muito Além do Jardim, Morrer Mil Vezes.
Ashby gostava dos temas que incomodavam – a morte, bem entendido. Os veteranos que voltavam estropiados do Vietnã. Um cantor folclórico que lutava, com sua voz e o violão, ao lado dos trabalhadores. Como diretor, também virou cult, mas os filmes não faziam sucesso de público. Começaram a fazer depois. Só Ensina-me a Viver estourou de cara. E Muito Além do Jardim, mas era Peter Sellers como o videota que se transformava em guru repetindo as banalidades que ouvia na TV. Chegava até a assessorar, como conselheiro, o presidente dos EUA. O filme, como o livro em que se baseia, de Jerzy Kosinski, é profético. Parece ter sido escrito para antecipar o Brasil.
Em 1970, Robert Altman impôs-se com MASH e Voar É com os Pássaros. O segundo era interpretado por um ator esquisito, Bud Cort, como um cara que sonhava voar. No ano seguinte, o esquisitão virou Harold, um garoto de 20 anos que vive tentando se matar. Harold liga-se a uma idosa sacudida de 70 anos que possui toda a energia que falta ao garoto. Ruth Gordon, que havia vencido o Oscar de coadjuvante como a vizinha de O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski, é quem faz o papel.
A química entre Bud e Ruth é perfeita, talvez o filme não tivesse funcionado sem os dois. E ainda tem a trilha genial de Cat Stevens, que se se converteu ao Islã e trocou de nome – Yusuf. Morning Has Broken, Wild World, I Think I See the Light. Com certeza será enriquecedor debater com a dra. Ana Cláudia as pulsões de vida e morte de Harold e Maude. Mas o cineclube, por definição, é o ponto de encontro dos que amam o cinema. Ensina-me a Viver une a riqueza dos temas à da forma. Boa sessão, e que a morte ainda demore, para que possamos todos ver e debater mais, e mais, bons filmes.
Texto de Luiz Carlos Merten, em O Estado de S. Paulo