Causei um certo alvoroço durante um almoço em família ao anunciar para minha cunhada, Valesca, 57 anos, e minha sogra, Anamaria, 81 anos, que iria entrevistar a médica Ana Claudia Quintana Arantes, 56. Ambas são fãs da especialista em envelhecimento e morte, autora do best-seller “A morte é um dia que vale a pena viver”, que já vendeu 600 mil exemplares e foi traduzido para diversas línguas, incluindo japonês, russo e coreano. Valesca, professora universitária nas disciplinas de física e química, está estudando psicologia e tem frequentado os cursos online de Ana Claudia. Anamaria é habitué do canal da médica no YouTube, onde já assistiu a vídeos sobre memória, luto e outros temas.
Formada pela Faculdade de Medicina da USP, com residência em Geriatria e Gerontologia, Ana Claudia é hoje a maior especialista brasileira em cuidados paliativos, que ela define como uma “abordagem dentro da área da assistência à saúde para aliviar o sofrimento de um ser humano que enfrenta uma doença ameaçadora”. Com uma fala suave e tranquila, a geriatra tem conquistado legiões de fãs pelo Brasil: leitores que compram seus livros (o mais recente é “Cuidar até o fim”, sobre finitude), participantes de cursos gratuitos e pagos, seguidores nas redes sociais (636 mil, somente no Instagram) e, agora, membros da comunidade “Envelhecer Bem”, criada com o propósito de fomentar boas relações, mudanças de estilo de vida e sustentabilidade emocional.
Além de participar de cursos com ela e outros especialistas, Ana Claudia espera promover apoio mútuo e troca de experiências entre os participantes e deles com ela. “Precisamos cuidar das relações, não só das pessoas. O corpo vai, mas a relação fica”, diz, reforçando um dos pilares do envelhecimento saudável segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS): os relacionamentos saudáveis. “Não temos relações; somos relações”, diz ela. Lançada no começo de novembro ao preço de R$ 197 por mês, a comunidade recebeu 717 inscritos em três dias (tempo em que as inscrições ficaram abertas), a maioria absoluta de mulheres. Quase metade tem entre 61 e 70 anos, e apenas 2% têm menos de 40. A médica contou que se surpreendeu com a procura, pois esperava cerca de 300 interessados.
Na pesquisa de ingresso, foi perguntado aos participantes como acham que estão vivendo o envelhecimento:
•46% dizem ainda não estar sentindo mudanças do envelhecimento, mas têm medo do que está por vir;
•20% relatam já estar enfrentando dificuldades físicas ou mentais relacionadas ao envelhecimento;
•66% afirmam estar se preparando para o envelhecimento, mas não tão bem quanto deveriam.
Muitos dos inscritos disseram estar ali pela admiração pela médica, destacando sua abordagem empática e fundamentada sobre envelhecimento e luto. Pergunto como ela encara a fama, e ela relembra episódios do início da carreira, quando não encontrava espaço para praticar os cuidados paliativos nos quais já acreditava: “Eu recebo isso como uma bonita bênção, porque vivi num tempo em que era silenciada […] Para mim, é algo que a gente escuta muito na área da saúde, que é o ‘Deus pague’. Esse reconhecimento, para mim, é o acerto de honorários que Deus está fazendo.”
Antes de entrevistá-la, participei do workshop online e gratuito Os 7 Pilares para Envelhecer Bem, composto de três aulas. Em uma delas, Ana Claudia propõe a seguinte analogia: você está com 40 anos e é avisado que, aos 70, terá que fazer uma viagem para o deserto. O problema é que a maioria das pessoas toca a vida ignorando essa notícia. Chegam ao dia do embarque sem terem feito os preparativos necessários para sobreviver nas condições adversas de um deserto. “As pessoas passam pela notícia de que vão envelhecer, mas não consideram isso algo importante de ser visto, revisto e avaliado. Quem você vai ser aos 70 anos é definido pelo que você faz hoje”, diz. “O envelhecimento de sucesso é aquele em que você se compromete, a todo tempo, com o seu futuro possível.” A seguir, algumas reflexões extraídas da entrevista remota, realizada numa segunda-feira à noite:
●“O corpo perdeu a paciência de responder rápido a mudanças súbitas e inconsistentes. Ele quer que você prove que é sério antes de responder.” (sobre o corpo não responder tão rapidamente a mudanças de estilo de vida, como fazia quando era jovem)
●“Você faz preenchimento de rugas, mas sua vida está vazia. Não tem como preencher o vazio da alma com estética.”
●“Amor é manutenção. Quando a gente ama, mora no amor. E morar no amor não é um hotel, onde você só aparece quando tudo está arrumado.”
●“Nós estamos numa crise de solidão porque estamos sozinhos de nós mesmos.”
●“O envelhecimento traz uma noção dolorosa das desigualdades – entre homens e mulheres, ricos e pobres, e entre raças. Isso dói mais do que o envelhecer em si.”
●“Você pode perder sua mãe, mas não perde o espaço de filha. Sempre será sua mãe, mesmo que ela fique invisível.”
●“A comunidade sustenta boas decisões com realizações trabalhosas. É para quem entende que cuidar de si é difícil, mas possível com apoio.”
*Maria Tereza Gomes é jornalista, mestre em administração de empresas pela FEA-USP, CEO da Jabuticaba Conteúdo e mediadora do podcast “Mulheres de 50”
Fonte: Época Negócios