No dia 22 de setembro, durante a sessão da CPI Covid que ouviu o diretor executivo da Prevent Senior, o senador Otto Alencar comparou a conduta da operadora de planos de saúde a de um “personal da morte”. O foco, segundo ele, não era a qualidade de de vida de um doente desenganado, mas impedir um tratamento mais caro para quem ainda tinha chances de se recuperar. “Se criou a figura do ‘paliatista’ (sic), é uma nova especialidade macabra…”.
O que foi feito pela operadora, entretanto, não pode jamais ser confundido com os verdadeiros cuidados paliativos. Ainda desconhecida por grande parte da sociedade, dos políticos e até mesmo de profissionais da saúde, a prática busca prevenir e aliviar o sofrimento de pacientes e famílias até o último sopro de vida.
Expoente na luta pela valorização da prática no Brasil, a médica Ana Cláudia Quintana Arantes encara com pesar a repercussão equivocada que o tema vem ganhando em meio às descobertas da CPI. “Eu estou, de certa maneira, acostumada com o fato de que as pessoas não entendem o que significa”, lamenta. “Na minha história com os cuidados paliativos, isso é muito recorrente. Eu comparo com o Sísifo. Você leva a pedra lá pra cima e aí alguém chega, derruba e a pedra desce planície abaixo.”
Formada em medicina pela USP e pós-graduada em psicologia, ela especializou-se em cuidados paliativos na Universidade de Oxford, em Londres. Desde então, entre livros, cursos, palestras e a prática médica, põe a sociedade para conversar com a morte. “As pessoas acham que você vai deixar de fazer ‘tudo’ pela vida do paciente. Elas não entendem que ‘tudo’ vai para além da questão biológica. Que muitas vezes esse ‘tudo’ é justamente o que abrevia a vida do doente.”
O Brasil, considera ela, é um dos piores países do mundo para morrer. O País não dispunha, até novembro de 2018, de nenhuma política que estruturasse ou orientasse especificamente o desenvolvimento da área. “As pessoas no Brasil não morrem de câncer, elas morrem de dor.” Um estudo de 2017 que mapeou a prevalência mundial dos cuidados paliativos pôs o País ao lado de nações como Gâmbia, Albânia, Bulgária, Colômbia e Panamá. “Tem gente que pede a morte como uma alternativa ao sofrimento. Mas, uma vez que você alivia o sofrimento, ela diz ‘agora não, agora tá gostoso, quero viver mais esse fim de semana’.”
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Fonte: Carta Capital