Blog do Eliomar: “Cuidar até o fim” – Por Mirelle Costa

Eu, escritora, queria ter um leitor como o Abraão Albuquerque. Tive a honra/oportunidade de conhecê-lo em um momento tão bonito. Ele estava prestes a conhecer pessoalmente a médica e escritora Ana Cláudia Quintana Arantes, autora do livro “A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver”. Foi dias antes à livraria Leitura do Shopping RioMar Fortaleza pegar a pulseira que garantiria o autógrafo da escritora no lançamento de seu novo livro “Cuidar até o Fim”. Acabamos nos encontrando no elevador e ele abriu um sorriso pra mim, ao saber que iríamos ao mesmo lugar. Inconscientemente, fez as “honras da casa”, como um fã anfitrião.

Senti que Abraão Albuquerque tinha uma história emocionante para contar. Quando perguntei o motivo que o trazia ali, ao perceber que revisitaria memórias importantes, a voz embargou. “Nos últimos quatro anos, perdi minha irmã, meu pai, minha mãe e meu filho único. Sou Testemunha de Jeová, então, cuido bem do meu lado espiritual, mas os livros dela me ajudaram muito a trabalhar o meu psicológico. Ninguém está imune a isso. Eu não me preparei para o que podia acontecer de ruim comigo. Olhei muito as estrelas e não consegui enxergar o que estava na minha frente. Nunca pensei que fosse perder tantas pessoas. Olhava para o mar que era meu filho e só via as conchas, a estrela do mar… Daí veio um tsunami e puxou a água do mar que me derrubou e, depois, apareceram os destroços”, emociona-se o funcionário público.

O bate papo com a médica Ana Cláudia Quintana Arantes foi conduzido pela psicoterapeuta, Flávia Vieira. Ela perguntou o que faz a morte não ser um dia que vale a pena viver. “Quando alguém passa por um processo de adoecimento, as pessoas ao nosso redor olham com inconformismo e até revolta. Então, além de todo o sofrimento, a pessoa precisa dar conta do olhar do outro, além de tudo o que está enfrentando. Às vezes, até o médico ou os outros profissionais de saúde estão tentando se consolar. O dar certo, muitas vezes, é a possibilidade de um tratamento em um país tão desigual. A morte que não vale a pena viver pode vir da falta de capacidade por parte de um profissional de saúde que não sabe dizer que está ali, ao lado”, alerta a escritora, médica e ativista da cultura do cuidado.

“É só pela consciência da morte que nos apressamos em construir o que deveríamos ser”. No marcador de páginas que a Vládia Castro e Silva carrega, uma frase do livro “A morte é um dia que vale a pena viver”, escolhida pelo grupo de leitura que ela faz parte. “Já trabalhei em UTI e a forma que a autora enxerga os cuidados paliativos ajuda todos os profissionais de saúde”, explica a dentista.

Um livro como instrumento de educação

Ana Cláudia Quintana Arantes conta que ver um livro seu em um posto de combustível é uma alegria para ela como médica e escritora, pois representa uma prova do acesso a um assunto até então desconhecido. “Uma vez me disseram que eu furei a bolha. Comecei a ficar conhecida por um ínfimo grupo, no início. Depois, fui contratada por um grupo de oncologistas para fazer um trabalho em cuidados paliativos. As crianças de hoje não serão os adultos disfuncionais que somos. A última experiência de alguém precisa ser a de cuidado. Às vezes, queremos um caminho curto para aquilo que achamos que não suportamos viver. Essa vida aqui só tem essa. Agora, é só essa vez. Não quero perder a oportunidade de vivenciar experiências humanas”, explica a autora.

Em visita à Fortaleza, a médica participou de eventos oferecidos para os profissionais de saúde da rede pública do estado. “A quantidade de profissionais paliativistas hoje ainda não é o desejado. Se todos sabemos que vamos morrer, é necessário mais letramento sobre vida, morte e completude da vida”, alertou a psicoterapeuta, Flávia Vieira.

A literatura foi a refundação da minha vida

Mônica Streg também estava na primeira fila, emocionada. Paciente e professora, a médica tem câncer de pulmão metastático. “Assim como a maioria dos pacientes, eu acreditei que logo iria morrer. Busquei refúgio no mundo das palavras. A literatura foi a refundação da minha vida. Somente adoecida, tive a oportunidade de ler, pois, como professora, tinha uma rotina muito exaustiva. Tive a sorte e o privilégio de encontrar os livros da Ana Cláudia e conseguir ressignificar minha vida. Entendi que a morte pode chegar amanhã, mas hoje quem chegou foi a vida. A arte é capaz de refundar a vida. Tive a oportunidade de lançar um livro e, ano que vem, lançarei um livro infantil”, orgulha-se a autora de Sobrevida, que pode ser adquirido na internet.

Ser capaz de cuidar dentro da experiência possível também foi outro tema abordado no lançamento que aconteceu na praça de alimentação do shopping RioMar Fortaleza. “Um processo de luto digno é quando não modulamos a intensidade do amor. Amor não tem livre arbítrio. Você sabe que você ama quando não tem escolha. Ninguém nos ensina a perder. O que acontece conosco a todo momento é vida, mesmo com as perdas que acontecem a todo instante. Ser capaz de enfrentar as perdas é viver o luto de forma regenerativa na construção deste vínculo simbólico”, explicou Ana Cláudia Quintana Arantes.

Se as palavras da médica e escritora tocaram-me profundamente, imagino o afago que Abraão Albuquerque sentiu ao final do evento. “Tive a companhia do meu filho por 31 anos. Ele me beijava todos os dias. Éramos parceiros para trabalhar e brincar. Foi assim até o último dia. O luto é uma fase de espera. Preciso aprender a lidar com esse momento de agora. Não nos faltou nada. Fiz tudo o que podia”, orgulhou-se.

Um luto em vida

Há mais de 8 meses, é o que sinto viver: Um luto em Vida. Desde o dia 05 de janeiro, por conta de um segundo AVC hemorrágico, mamãe não fala e não se mexe, mas entende tudo, chama-se Síndrome do Encarceramento. E eu? Sou livre?! Não sei, talvez estejamos nós duas presas a todas essas sequelas. A mãe que eu tinha, que falava, brigava, gargalhava, me fazia raiva e me dava conselhos não existe mais. Pra quem não sabe, minha mãe é filha única, meu pai já é falecido e minha irmã não mora mais aqui. Em muitos momentos, ela deve pensar que “não estou” , mas sempre estou: quando não diante de seus olhinhos cheios de lágrimas, em pensamento, resolvendo as coisas dela… e já com saudades. Perdi (muito) e ganhei. Ganhei a oportunidade de evoluir espiritualmente em meio a tantos porquês sem resposta. Ela está e não está! Entende ?! Tipo tem, mas tá faltando?! Lembro-me de que uma assistente social falou-me: permita-se surtar de vez em quando…. E quem vai aguentar ?! Dá pra surtar, não! Acho que nem há tempo pra isso, mas sei que as pessoas só enxergam quando a gente grita. Talvez eu também seja assim. Só que, às vezes, gritar cansa, então, a gente prefere … sei lá, escrever e rezar. Minha mãe é minha mãe e a vida inteira também foi o pai que eu não conheci e todo o resto que eu nunca tive. Eu sempre soube que, se ela fosse antes de mim, essa despedida seria algo extremamente doloroso. Quando ela foi ficando mais velha e, desde o primeiro AVC, fiquei pensando mais nisso. Talvez Deus em toda a sua sabedoria tenha avaliado que perdê-la em doses homeopáticas fosse a forma que eu mais aguentasse lidar…. Por aqui, vamos seguindo. Agradeço a cada pessoa que me pergunta (ou pergunta pro Julião) como mamãe está. Agradeço as orações. Por favor 🥺 continuem, por ela e por nós.

Fonte: Blog do Eliomar

Respostas de 4

  1. Já perdi pessoas na minha vida desde os 20 anos , meu pai , irmão, primo , cunhada , amigos … a mais dolorosa partida é até hoje sinto ( já há 23 anos) foi meu irmão caçula, eu o vi nascer ! !… bem recentemente minha sogra se foi ( ha 15 dias ) desde o dia 20 /06 que disse a ela e a meu marido ,.ficarei com a senhora ” até o fim ! ” … entao vivi , vivemos este luto dia apos dia. Fui fortalecida em Cristo e lendo o livro de Dra Ana , A MORTE É UM DIA QUE VALE APENA VIVER . Fui vivênciando cada dia e descobrindo minha essência, observando os detalhes do q se é viver, o q importa e o que nos faz seguir e porque seguir . Recomendo está maravilhosa obra e estou pronta para conhecer as que vêm.
    Obrigado por este espaço 🙏

  2. Já estou algum tempo acompanhando o trabalho da Dr. Ana Cláudia Quintana Arantes, e confesso que estou apaixonada, sou massoterapeuta humanizada e despertou em mim uma vontade e um desejo de me dedicar ao trabalho paliativo, de trazer qualidade de vida para quem precisa desse cuidado.

  3. O olhar da dra nos faz entender claramente o que realmente faz sentido. Faz a gente se atentar ao que é de extrema importância vivenciarmos antes, durante e depois do inevitável.

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