O Globo: Médica mostra como acolher pessoas diante da iminência da morte

Geriatra já vendeu mais de um milhão de livros no Brasil — Foto: Ana Branco

A certa altura de seu novo livro, “Cuidar até o fim: Como trazer paz para a morte” (ed. Sextante), a médica geriatra Ana Claudia Quintana Arantes reconhece: “Morrer, meus amigos, é algo que dá trabalho”. Um dos desafios é justamente encarar a finitude de frente, já que ignorá-la só torna as coisas mais difíceis — tanto para quem vai quanto para quem fica. Por isso, o título é especialmente voltado a quem cuida. “Quando alguém está muito doente, você tem a chance de mostrar o seu melhor a essa pessoa. Afinal, demonstra o quanto se importa com alguém que não vai poder lhe devolver isso”, diz a médica, que já publicou quatro livros e vendeu mais de um milhão de cópias no Brasil.

Ana Claudia escolheu a medicina diante do desejo de melhorar a vida de familiares adoecidos, como a avó, que faleceu justamente no dia da sua formatura. Logo nas primeiras experiências profissionais, descobriu que muitos pacientes não recebiam um tratamento digno diante da morte e começou a pesquisar o tema, àquela altura, pouco debatido no Brasil. Especializou-se em cuidados paliativos pelo Instituto Pallium, na Argentina, e pela Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Também fundou a Casa do Cuidar, onde coordena cursos de formação na área, enquanto corre universidades com palestras ministradas para auditórios abarrotados. “A educação é o caminho para a transformação”, defende a médica, cuja projeção ajuda a difundir ideias sobre como a morte pode ser encarada com menos sofrimento, livre de preconceitos. Afinal, ela afirma na entrevista a seguir, a finitude tem muito a nos ensinar.

O GLOBO — No livro, você fala sobre o quanto é equivocada a ideia de que reconhecer a proximidade do fim o acelera. Por que a morte ainda é um tabu?

ANA CLAUDIA QUINTANA ARANTES — Tem a ver com a ideia de que falar sobre coisa ruim acaba atraindo aquilo. Aí você prefere viver a tal coisa ruim e, quando ela chega, não se preparou. Costumo dizer que falo sobre isso há 30 anos e não morri ainda. O problema é que, quando falamos da morte, somos obrigados a olhar direito para as nossas vidas, e é disso que as pessoas têm medo.

O que acontece quando as pessoas próximas ignoram a iminência da morte de um paciente?

Elas sofrem. O tempo do adoecimento nos permite refazer a relação. Se o seu pai está morrendo, por exemplo, você tem que descobrir onde ele está dentro de você. Se fizer isso enquanto ele está vivo, ele pode ajudar no processo.

O que jamais devemos fazer diante de alguém que está próximo da morte?

Uma das piores coisas é não enxergar que a pessoa está morrendo. Você olha para a tragédia que ela está vivendo, mas não para ela. Ao agir assim, não reconhece que ali existe uma pessoa viva ainda. É inapropriado falar coisas como “você vai ficar bom” ou “vai dar tudo certo”. Devemos perguntar: “E aí? Me ensina como ser tão corajoso quanto você?”; “Posso passar o dia contigo?”. Aquela pessoa está terminando a biografia dela. Quando finalizamos uma coisa, queremos fazer isso bem.

É possível agir mesmo quando restam horas?

Sim. Quando minha mãe morreu e cheguei ao hospital, ela havia parado de respirar. Então, disse: “Mãe, estou aqui!”. Ela me olhou, deu um sorriso e o último suspiro. A última lembrança que tenho da minha mãe, portanto, é ela sorrindo para mim. O que isso mostra para quem fica? Que essa pessoa foi cuidada e teve a biografia respeitada. Era importante para ela ter a família toda por perto.

Ter essa clareza diante de alguém que está morrendo nos ajuda a lidar com a própria finitude?

Claro! Ao assistir alguém morrer, podemos aprender como queremos que seja conosco.

Você demonstra, no livro, o quanto o luto é particular. Ainda assim, é possível aconselhar alguém que passa por isso?

Cada rompimento depende da qualidade do vínculo. O que faz você atravessar a dor mais tranquilamente é a qualidade do amor que viveu. Se amou muito aquela pessoa, vai doer bastante, mas você atravessa mais fácil. Quando é uma relação ambígua, é mais trabalhoso. E o tempo interno que temos não é o mesmo do relógio.

Qual a principal lição de vida dada pela morte?

Acho que, se a morte pudesse nos dizer uma palavra, seria: “Viva!”. O que você faz hoje é consequência do que escolheu. Então, viva as consequências disso. E aí, se quiser fazer diferente, siga por outro caminho.

Fonte: O Globo / Ela / Gente

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