Sapo Lifestyle: “Negar o envelhecimento é um modelo de vida baseado em sofrimento” – Médica geriatra Ana Claudia Quintana

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A médica geriatra brasileira Ana Claudia Quintana Arantes. Bob Wolfenson

“A velhice denuncia o fracasso de toda a nossa civilização. Se queremos que a condição de idoso seja aceitável é necessário refazer completamente a humanidade”. A frase anterior verte do livro A Velhice, escrito pela francesa Simone de Beauvoir. É sobre o papel que nos cabe na aceitação desse caminho, o do envelhecimento e de como nos situamos face a ele, assim como a sociedade em geral que trata o mais recente livro da médica geriatra brasileira Ana Claudia Quintana Arantes. Em Para a Vida Toda Valer a Pena Viver(edição Pergaminho), a autora formada pela Universidade de São Paulo, especialista em cuidados paliativos, tece palavras em torno da construção de uma velhice que não nega as grandes transformações que o tempo nos traz e junta-lhe ferramentas para o vivermos com bem-estar e saúde. Nas perto de 150 páginas do seu livro, Ana Claudia Quintana Arantes responde à pergunta: O que é preciso fazer para tornar o nosso corpo habitável, a nossa mente sã e o nosso espírito elevado enquanto não chega a nossa hora? Uma pergunta que nos serve de mota à entrevista que fizemos à autora. Uma conversa com um oceano de distância, entre Lisboa e São Paulo, mas próxima dos temas que são gratos à autora, pós-graduada em Psicologia – Intervenções em Luto.

Há uma metáfora a abrir o seu livro que explica o processo de envelhecimento. Nessa metáfora recorda-nos uma viagem que fez ao deserto do Atacama, no Chile. Que analogia podemos fazer?

A metáfora surgiu durante uma aula que ministrei num espaço de atendimento de pacientes em idade geriátrica. As pessoas trazem para o consultório uma inquietude com o processo de envelhecimento, que se percebe devido às fragilidades do seu desempenho. Dizem-me que não se prepararam para isso. Dai, fiz a metáfora: vamos imaginar que estamos com 40 anos e que daqui a 30 anos reencontramo-nos e mudamo-nos para o deserto. Haverá quem diga que não se quer mudar para o deserto. O processo de envelhecimento é um espaço onde existe muita hostilidade do meio interno e externo, uma aridez, uma clareza muito grande sobre o que é a ausência.

O exercício do envelhecimento coloca-nos num espaço de perdas quotidianas, não apenas as concretas, como a morte dos amigos e dos familiares, mas também as perdas intangíveis, como o declínio cognitivo, das diferentes habilidades, coisas mais subtis e coisas grandes, como a perda do emprego, a entrada na reforma. Essa escassez não se desfaz com o tempo, ela torna-se mais presente. Esta metáfora deu-me o privilégio de conversar sobre essa grande viagem. Digo: Chega o grande dia e vamos mudar-nos para o deserto. Alguém diz, “o sol é forte aqui, precisava de trazer protetor solar, também chapéu e água. Não me preparei para isto”.  Faço então a pergunta: se sabia que se ia mudar para o deserto porque não se preparou? Onde estava nos últimos 30 anos? Porque não pensou como era envelhecer, até mesmo com as pessoas que estão à sua volta? Porque muitas vezes, quando somos mais novos, olhamos para os mais velhos como desnecessários, descartáveis. Então, nesse processo de preparar a viagem temos de antevê-la. O preço que se paga pela vida longa é prepararmo-nos para o deserto.

O EXERCÍCIO DO ENVELHECIMENTO COLOCA-NOS NUM ESPAÇO DE PERDAS QUOTIDIANAS, NÃO APENAS AS CONCRETAS, COMO A MORTE DOS AMIGOS E DOS FAMILIARES, MAS TAMBÉM AS PERDAS INTANGÍVEIS.

Envelhecer é uma inevitabilidade, um caminho. A nossa sociedade não nos prepara para esse caminho?

Desenvolvemos uma habilidade muito imatura acerca do que é a verdade sobre o envelhecimento. Temos um apego aquilo que é percebido pelos nossos olhos que é olhar no espelho e gostar do que se vê. Na realidade, não temos muita capacidade de olhar para além daquilo que nos é mostrado. Procuramos uma expressão facial e corporal que facilite a aceitação da sociedade, ou seja, algo atual e jovem. Logo, isso tem ligação direta com o que nós vemos. Mas não dá para fazer uma cirurgia plástica em todas as consequências daquilo que fez ao corpo no seu interior, se não se alimentou bem, se não fez atividade física, por aí fora, terá cicatrizes internas gravíssimas. Por outro lado, a sociedade também nos diz que temos de manter um status de respeito que está vinculado a algo que não se viveu. Por que queremos ter uma carinha de 30 anos? Porque nessa idade não fizemos o que devia ter sido feito. Queremos voltar no tempo para vivenciar experiências que devíamos ter vivido nesse passado. E abrimos mão das experiências magnificas que podíamos viver na idade presente. É um desperdício de vida.

Leia a entrevista completa no site Sapo Lifestyle

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